sexta-feira, 8 de outubro de 2010

PROJETOS , O BRASIL DO FUTURO











"Quem pensaria em fazer um estádio sozinho?"

A arquitetura para o esporte envolve mais que centros de treinamento de atletismo ou grandiosos estádios e ginásios



De Norte a Sul do país faltam espaços planejados para o esporte, desde quadras em escolas até clubes, ginásios, estádios e centros de treinamento para atletas profissionais. “Isso acontece porque não há política de esportes no Brasil, o que pode ser comprovado pelo pequeno número de medalhas que conquistamos na recente Olimpíada de Sydney”, afirma Eduardo de Castro Mello, sócio no escritório Ícaro de Castro Mello Arquitetos Associados. O arquiteto é também vice-presidente do Panathlon Club São Paulo, entidade de defesa do esporte e da ética, e representante do Brasil na Associação Internacional de Instalações Esportivas e Recreativas (IAKS), que congrega profissionais de todo o mundo especializados em instalações esportivas.



Segundo Castro Mello, independentemente do porte e do tipo do empreendimento, a boa arquitetura esportiva é aquela que modela o espaço considerando todas as particularidades. Pode parecer óbvio, mas não é. “Há centros de treinamento de natação no Sul do país em que a piscina aquecida fica a céu aberto e muito distante dos vestiários, sujeitando os nadadores a todos os riscos de uma inversão térmica”, exemplifica. Para evitar esse tipo de situação, Cláudio Cianciarullo, sócio de Castro Mello, lembra que, além de considerar o programa apresentado pelo cliente e todas as normas para instalações esportivas, é fundamental ouvir os usuários das instalações - atletas, professores de educação física, técnicos e dirigentes esportivos -, a fim de conhecer suas necessidades e expectativas.



“O profissional também deve buscar exemplos em edificações semelhantes, saber como foram projetadas, quais os materiais especificados e por que, quais os cuidados com conforto ou segurança, por exemplo”, completa Castro Mello. A consultoria de especialistas em ar condicionado, acústica e luminotéctica, entre outros, é fator essencial. “Quem pensaria em fazer um estádio sozinho?”, pergunta Washington Fiúza, presidente do Arquitectonica Brasil, filial brasileira do Arquitectonica, o quarto maior escritório de arquitetura dos EUA e responsável por obras como o American Airlines Arena, em Miami, o Philips Arena, em Atlanta, e o Disney Sports Resort, em Orlando.



O Arquitectonica Brasil está desenvolvendo o projeto do novo estádio do Corinthians para a Hicks Musse, empresa norte-americana que adquiriu os direitos sobre a marca do clube paulista por 20 anos e está investindo em um novo e moderno estádio para 50 mil pessoas a ser construído na rodovia Raposo Tavares, próximo ao rodoanel viário. Sua inauguração está prevista para 2002.



Para o atleta e o público

De acordo com Castro Mello, o desenvolvimento de uma edificação esportiva começa pela escolha do terreno, pois os custos com movimentação de terra ou rebaixamento do lençol freático, para exemplificar, podem inviabilizar um empreendimento. Também passa pela observação das recomendações feitas pelas entidades oficiais de cada esporte. A Fifa, por exemplo, define as normas específicas para a construção e a reconstrução de estádios de futebol. “Se o projeto não corresponder às regras das entidades, o equipamento não servirá para competições oficiais”, ele completa.



Os resultados obtidos por um atleta podem ser comprometidos por instalações físicas que desconsideram a orientação solar e o controle da ação dos ventos. Por isso, existem normas bastante específicas, válidas para edificações de qualquer porte. Campos, quadras e piscinas a céu aberto devem ter seu maior eixo longitudinal paralelo ao eixo norte-sul, de modo que o sol nunca incida diretamente nos olhos do competidor. Arremessos, lançamentos, saltos e chegadas de corridas devem ser feitos com o sol pelas costas. Nas atividades ao ar livre, o vento não pode interferir no resultado, o que implica a necessidade de barreiras paisagísticas ou construtivas para quebrar as correntes de ar.



Além desses fatores, um projeto bem resolvido considera aspectos tão diferentes como comunicação visual, engenharia e planejamento urbano. “Um estádio deve estar previsto no plano diretor de uma cidade. Um bom exemplo disso é o Coliseu, que, apesar de antigo, apresenta boa faixa externa de circulação para o público. Sob esse aspecto, o estádio do São Paulo, no Morumbi, é ruim, porque quase não tem calçada no entorno e está localizado em região de difícil acesso, sem integração com transporte coletivo nem ampla área de estacionamento”, compara Castro Mello.



Outro cuidado importante deve ser tomado na hora de escolher o conceito estrutural quando o projeto prever público. “As arquibancadas em balanço estão sujeitas às vibrações causadas pela movimentação da torcida, o que pode causar desconforto e até pânico. Por isso, recomenda-se o uso de outras soluções”, diz Castro Mello, lembrando que essa preocupação é relativamente nova, decorrente da mudança de comportamento das torcidas, mais agitadas hoje em dia.



Com relação às arquibancadas, quanto mais secionadas forem, melhor para reduzir a ocorrência de conflitos entre torcedores adversários e de tumultos no caso ser necessária a saída rápida do público. Acessos exclusivos e autonomia de infra-estrutura, com banheiros e bar exclusivos, evitam a transposição de pessoas de um setor para outro. “É mais fácil administrar o que é menor”, lembra Castro Mello. O dimensionamento das arquibancadas é feito com base na curva de visibilidade, com inclinação e altura dos degraus adequadas. A capacidade de escoamento de público também faz parte das normas. “O número e o tamanho das aberturas deve ser calculado com base na quantidade de espectadores, de modo que todos possam sair em no máximo dez minutos.”



A infra-estrutura é outro fator relacionado ao número de espectadores. Segundo Castro Mello, são exigidos posto médico e posto policial para cada 10 mil pessoas. O número de banheiros varia conforme o código de edificações da cidade, mas deve absorver um grande afluxo de público em pouco tempo, com redes de água e de esgoto capazes de atender à demanda.



O mesmo vale para vestiários de clubes e academias, por exemplo, “onde as duchas devem permitir seu uso simultâneo sem interferências na temperatura e na pressão da água”, diz o arquiteto Antônio Malicia, sócio de Batagliesi Associados, escritório que assina os projetos da Companhia Athletica, uma rede de academias de ginástica presente nos estados de São Paulo, Pará e em Brasília. A proporção entre sanitários femininos e masculinos tem pequena variação. “No estádio de futebol ainda prevalece 70% de banheiros masculinos, mas nas demais instalações a proporção é de um para um”, lembra Malicia. “Da mesma forma que os banheiros, também os serviços de bar devem ser capazes de atender um grande número de pessoas em pequenos intervalos. Longos balcões lineares, com áreas de caixa e de atendimento independentes, são a solução mais usada.”



Projeto flexível

A flexibilidade de uso é exigida tanto para uma simples quadra como no mais complexo ginásio ou estádio, para que possam acolher facilmente outros eventos, esportivos ou não, como shows e feiras, no caso das instalações de maior porte. Partes móveis das arquibancadas são boa alternativa para permitir que uma pista de atletismo funcione na mesma edificação que um estádio de futebol. “Quando há um evento de atletismo, a arquibancada sobre a pista é recolhida; quando é um jogo de futebol, ela é deslocada para frente, aumentando a capacidade de público”, exemplifica Cianciarullo.



Já as quadras em escolas ou centros recreativos costumam ser o espaço usado para as festas de suas comunidades. Essa diversidade de funções requer soluções que variam conforme a disponibilidade de verbas. Fiúza lembra que várias opções podem ser compostas conforme a necessidade de cada evento. “É possível ter até uma piscina sob o piso. Tudo depende do programa”, ele avalia. De fato, as possibilidades são cada vez mais variadas e criativas. Para proteger os gramados de estádios pode-se escolher, por exemplo, esteiras de material plástico perfurado, que distribuem o peso do público, permitem a passagem de ar e luz, mas impedem que a grama seja pisoteada.



Na cidade de Arnhein, na Alemanha, o estádio coberto de Gelredome apresenta solução engenhosa. A grama plantada em uma espécie de tabuleiro deslizante permanece do lado externo da construção para receber ar e luz ou durante a realização de outros eventos. “Quando há um jogo, o tabuleiro desliza para dentro”, diz Castro Mello.



Nas quadras recreativas descobertas, o mais comum é a utilização de um piso de base asfáltica e demarcação das linhas de jogo com tinta acrílica. Não é o ideal, mas uma solução de baixo custo amplamente empregada. Nas quadras cobertas, as opções ficam entre o piso flutuante de madeira, o mais recomendado, e os revestimentos em poliuretano, PVC ou borracha. Todos esses produtos oferecem vantagens no uso, mas, como podem ser danificados durante atividades que não as esportivas, requerem algum tipo de proteção.



Uma alternativa bastante empregada são as mantas em rolo, aplicadas como tapetes sobre um cimentado comum. Quem não quiser a demarcação de uma quadra poliesportiva precisará de um jogo de mantas para cada esporte a ser praticado. Mas, “são carretéis pesados e muito volumosos”, avisa Cianciarullo. Segundo Malicia, para salas de ginástica ou de musculação, a melhor solução para o piso é uma resina aplicada diretamente sobre o contrapiso regularizado. “Ela cristaliza como uma borracha e depois é pintada. Seu custo é mais elevado, mas oferece alta performance em resistência, durabilidade e conforto, reduzindo o impacto do atleta contra o chão durante as aulas”, afirma. Para as quadras, ele considera o piso flutuante de madeira “ainda o melhor”.



As piscinas também podem ser flexíveis. “Uma piscina olímpica mede 50 x 25 metros, com 2 m de profundidade, o que não é indicado para uso geral. A alternativa nesse caso pode ser a que foi usada em Sydney: um fundo móvel de aço inoxidável ou alumínio permite mudar a profundidade; para dividir uma piscina em duas, pode-se usar uma ponte móvel, com 2 m de largura”, diz Castro Mello. Nesse caso, a piscina precisa ter 52 m de comprimento, para não alterar a medida exigida para competições oficiais.



Equipamentos como esteiras ou bicicletas elétricas consomem muita energia, detalha Malicia. “Nossos projetos para a Companhia Athletica têm programa mínimo de 4,5 mil m2, e para essa área, costumamos ter capacidade instalada de 750 kVA, o que inclui os aparelhos mais uma sobra para o sistema de ar condicionado nas horas de pico.”





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